
A tecnologia blockchain, inicialmente associada ao universo das criptomoedas, vem ganhando espaço em sectores tradicionais como o da logística e do comércio externo. Nos últimos anos, muito se tem discutido sobre o seu potencial disruptivo para os terminais portuários. Mas a questão que persiste é: estará a blockchain, de facto, pronta para transformar os portos ou estaremos apenas perante mais uma promessa tecnológica inflacionada?
Uma das maiores virtudes atribuídas à blockchain é a sua capacidade de registar informações de forma imutável e transparente. Num terminal portuário — onde actuam armadores, despachantes, operadores logísticos, organismos estatais e transportadoras — a existência de um único sistema fiável e acessível para rastrear cargas e processos poderia reduzir drasticamente os erros, as fraudes e as perdas operacionais.
A rastreabilidade em tempo real de contentores, documentos e autorizações aduaneiras, por exemplo, elimina a necessidade de reconciliações manuais e reduz a burocracia. Para além disso, contratos inteligentes (smart contracts) poderiam automatizar pagamentos e autorizações de mercadorias, tornando as operações mais ágeis e eficientes.
Apesar do entusiasmo, o cenário actual ainda é de adopção limitada e essencialmente experimental. A maioria dos terminais portuários em todo o mundo enfrenta obstáculos práticos significativos: infra-estruturas digitais obsoletas, ausência de normas globais interoperáveis, resistência institucional e até mesmo questões legais quanto à validade de registos digitais em cadeias internacionais.
Para além disso, a blockchain, por si só, não resolve todos os problemas logísticos. Depende da qualidade dos dados inseridos e da adesão de todos os intervenientes da cadeia. Ou seja, não existe confiança digital sem responsabilidade humana. Um sistema incorruptível, mas alimentado por dados erróneos, apenas perpetua falhas de forma mais rápida e permanente.
Iniciativas como a TradeLens (da IBM e da Maersk) demonstraram o potencial da blockchain em redes logísticas, embora a sua recente descontinuação aponte para os desafios existentes na escalabilidade de soluções deste tipo. Em contrapartida, alguns portos asiáticos e europeus continuam a testar sistemas baseados em blockchain para o rastreamento de cargas e a integração aduaneira, mas ainda em fase piloto.
O futuro poderá reservar um cenário em que os terminais portuários actuem como nós numa rede global descentralizada de comércio, com decisões automatizadas, documentação encriptada e mínima intervenção manual. Mas para tal, será necessário um salto significativo em termos de maturidade digital, integração institucional e confiança regulatória.